Pela sua mente aberta para o contraditório, acredito que Lopo do Nascimento estará disponível para participar no debate despartidarizado que se impõe em Angola e África, duas entidades que ele tão bem conhece e que, por sua vez, o conhecem.
Por Marcolino Moco (*)
N o meu próximo livro com o título “Angola: estado-nação ou estado etnia-política?” apresento a tese, baseada na minha experiência pessoal e política e numa longa reflexão, de que as dificuldades do estado típico africano assentam, essencialmente, na disfunção entre a sua estrutura, criada, formalmente, à imagem e semelhança do estado moderno do tipo euro-ocidental e a realidade multiétnica e multicultural das antigas colónias europeias no continente, formadas à régua e esquadro, num espaço de tempo bastante curto.
Esta tese, adivinho, não encontrará, certamente, apoiantes em muitos sectores políticos, tanto na “situação” como na “oposição”, tendo em conta o politicamente incorrecto de muitas das minhas afirmações, num país onde o mito ou a imagem fictícia de uma profunda unidade nacional faz escola.
Contudo, estou persuadido, assim como diversos outros académicos e pensadores consultados o estão, que é naquela disfunção que reside a razão da característica fundamental dos conflitos políticos africanos, que se tende, quase sempre, resolver pela violência, por parte do “partido- etnia” no poder, sobre o resto da sociedade, continuando, afinal, a violência colonial, na sua tentativa apressada e impaciente de juntar realidades antropológicas diferentes, para estabelecer plataformas de exploração e acumulação do capital.
Curiosamente, quando eu tirava aquelas conclusões em Lisboa, em 2014, em Luanda, Lopo do Nascimento, provavelmente, a mais proeminente mente aberta no seio do que considero, com a devida fundamentação teórica, o “partido-etnia-política MPLA-Kimbundu-Mestiço-Litorâneo” (historicamente contraposto, nas últimas décadas, a outro grande “partido-etnia UNITA-Umbundo-Interior”), foi quem, por mera coincidência, exprimiu da forma mais lapidar possível, o pensamento que eu acabava de elaborar:
“Em África, a maioria dos partidos são muito assentes numa base étnico-linguístico-cultural, de modo que, quando as eleições excluem um partido, não é uma organização política que está a ser excluída, mas sim um grupo social e étnico, linguístico e cultural”.
Ora, haverá expressão mais exacta para explicar a prevalência das tensões africanas, que em Angola se consubstanciaram nas escaramuças entre os movimentos de libertação nacional durante a luta anti-colonial e nas guerras civis que se seguiram à proclamação da independência?
A Lopo, só faltou acrescentar, de acordo com as minhas conclusões, que o mesmo acontece quando um sargento, capitão ou general toma o poder num golpe de estado, com uma minoria da sua região e ou etnia a saírem beneficiadas, numa expressão de ganância sem limites, quase sempre depois de uma longa e descarada “exclusão dos outros”, por parte de quem esteve, antes, no poder.
Já na longa entrevista ao Expresso, de dias para cá, Lopo de Nascimento, depois de um inicial e extraordinário depoimento histórico de cariz autobiográfico, termina fechando-se na gaiola do seu “partido etnia-política”, considerando “perdoáveis” porque, certamente, necessários, todos os actos dos seus líderes (Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos), onde Jonas Savimbi aparece como o grande vilão e Holden Roberto como alguém que, “graças a Deus”, se retratou dos seus “pecados”, em tempo de digestão de tão frustrantes cansaços, depois de “tanta luta e tanto luto” (M.Rui), acrescento eu.
Já passei por esta fase de pensamento. Hoje penso que a actuação das referidas personalidades, em que ninguém se saiu ou sai santo, reflectem, essencialmente, os condicionalismos históricos, antropológicos e sócio culturais combinados com um conjunto de interesses objectiva e subjectivamente divergentes, que tememos discutir.
Por falta desse esclarecimento, novas gerações, já “mais destribalizadas”, começam a ser sacrificadas, tal como o colonialismo o fez contra a geração da luta pela independência, cuja parte significativa se mantém no poder, desde há 40 anos, com uma estrutura de estado que só beneficia uma parte ínfima da comunidade nacional, de forma extravagantemente desonesta e comprometedora do futuro.
Na maioria dos casos, já não é caso para se falar de corruptores estrangeiros que corrompem africanos, como Lopo insinua, mas o inverso: africanos que corrompem antigos “colonizadores” com recursos africanos, que deveriam servir, minimamente, para as necessidades da maioria dos africanos, sem comprometer relações, minimamente honestas, com os povos a que estão historicamente ligados.
Pela sua mente aberta para o contraditório, acredito que Lopo do Nascimento estará disponível para participar no debate despartidarizado que se impõe em Angola e África, duas entidades que ele tão bem conhece e que, por sua vez, o conhecem.
(*) www.marcolinomoco.com